nudez
É de madrugada. Não consigo dormir. Vou até a varanda fumar um cigarro. Noite quente, abafada. Não há muitas luzes acesas no prédio vizinho. Há um silêncio que me deprime. Não há nem mesmo o som de uma sirene rasgando a noite. Minha solidão se torna cada vez maior, quase palpável. Sou apenas uma pessoa entre milhões, que também, como tantas outras, sofre de insônia numa noite de calor. Meu cigarro está no fim. Tenciono jogar a bituca para baixo, como se fosse um minúsculo corpo caindo em direção ao nada. Não sei o que acontece que fico parado. Movo a cabeça para frente, um pouco mais abaixo da minha varanda, e vejo a luz de um abajur se acendendo. Em seguida, como se fosse num filme, aparece uma silhueta de mulher. Consigo vê-la através da cortina. Mais uma que está solitária e insone numa madrugada quente. Espero. Sinto uma certa palpitação no coração. Estranho. É um sentimento de expectativa que toma conta de mim. Por uma desconhecida. Por uma vizinha do prédio ao lado que eu nem sabia que existia. Continuo olhando. Tenho vontade de fumar outro cigarro, mas continuo imóvel. Um vento começa a tomar vida. Pode chover. Vai chover. Ficarei molhado, mas não me moverei um palmo sequer. Quero a mulher. Desejo-a ardentemente e sei o que ela vai fazer... Ela vai se despir! Lentamente. Com agonia e um certo desespero. Talvez fume um cigarro, talvez coloque uma música no rádio, talvez abra a cortina e me veja aqui, imóvel como um inseto numa teia. A mulher anda pelo apartamento. Parece perturbada com alguma coisa. De repente, como eu havia previsto, ela abre a cortina. Consegue me enxergar e sorri. Estamos a muitos metros de distância, mas posso ver o seu sorriso. Uma comunicação sem palavras - e sem nenhum gesto - acontece. Ela entende o meu olhar, a minha expectativa, a minha minguada solidão. E começa a se despir.Não tem pressa. Não teme a mim, nem a ela. Sabe que sou inofensivo na minha varanda. E ela sabe que pode ser tudo o que sempre desejou ser.
Assim, numa comunhão íntima e humana, ela vai deixando a roupa cair. Vejo o momento em que um seio escapa da blusa. E a blusa cai para o chão. E os lábios começam a mastigar o ar. E a língua se livra da prisão dos dentes e dança fora da boca. Eu não tenho desespero. Sinto algo quente e morno vindo dela e talvez de mim. Não sei. Espero. Ela continua. Dá um rodopio e a saia é aberta. E cai aos seus pés e é pisada e serve como cama, onde a mulher se deita e se abre. A calcinha desce pelas pernas. Uma calcinha vermelha e indecente. Mas sinto como se fosse branca e pura. Ela joga a calcinha para perto da janela. Ela se levanta e se mostra: nua.Branca e nua, mas com algo negro como a noite no meio das suas pernas. Sinto um calafrio. Um pingo de chuva. O vento está cada vez mais forte. Daqui a pouco, o céu vai desabar. Mas eu resisto até o final. Ou até o começo de alguma coisa. A mulher continua me olhando. Ela tem classe e ao mesmo tempo sabe ser vulgar. Ela me mostra todos os seus lados: a deusa-fêmea, o anjo-mulher, a tarada, a solitária, a mal-amada. Ou aquela que todos os homens amam e por quem rastejam.Neste momento, eu sou o único. Mesmo que existam outros olhando. Sinto que sou o único. Sinto que é para mim que ela se despe e se acaricia. Posso senti-la na minha boca, nos meus olhos, no meu sexo. Ela está numa posição excitante. E se contorce, e rebola, e desce até o chão, e acaricia as coxas e sobe e me olha. Um olhar que pode devorar o mundo. De repente, começa a chover. O cigarro se esfarela nas minhas mãos. Minha camisa fica encharcada e eu fico de peito nu. A chuva cai em rajadas. O seu apartamento é invadido pelo açoite da chuva, mas ela não fecha a janela. Ela também sai para a varanda e dança. E dança. E dança! E recebe no rosto o beijo da chuva, a língua da chuva, o sexo da chuva. Ela pára aquela dança maluca. Está ofegante. Abre as pernas, abre a vagina, abre a própria vida para mim. E me convida, o viajante noturno, o cigano do apartamento, o andarilho insone. Somos tudo um para o outro. Somos ninguém para nós mesmos. Eu não aceito o seu convite. Eu estou nu, mesmo vestido. Estou frágil, estamos frágeis. Estamos mudos e petrificados. Mas ela precisa sair daquela letargia e por isso se masturba com fúria, com desespero, com um desejo de vingança por ser o que ela nunca quis ser: uma mulher abandonada. E ela goza, rindo. E goza, chorando. E as suas lágrimas se misturam com a chuva. E o seu olhar se encontra com o meu. Então nos aproximamos o máximo possível um do outro. Cada um na sua varanda, cada um dentro da sua fragilidade. Ela estende as mãos como se quisesse me tocar. Eu estendo as minhas e sei que a toco. De alguma maneira estamos nos tocando. Entre nós, o vão dos dois prédios. E nos enlaçando, com nós firmes e fortes, a nossa solidão.
Paulo Mohylovski
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